Tentaram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes¹
08 de março de 2023.
Mais um ano em que neste dia, o dia Internacional das Mulheres, buscamos reavivar em nossas memórias toda uma trajetória de luta que mulheres do mundo inteiro travaram para hoje estarmos aqui, com o mínimo de dignidade e reconhecimento como um ser humano. Escrever sobre esse dia é uma tarefa um tanto quanto traiçoeira. Poderia falar sobre a origem dúbia desta data como o movimento grevista de costureiras nos EUA nas quais foram incendiadas pelo dono da fábrica; ou do movimento de mulheres russas precursoras da Revolução Soviética ao caminharem exigindo pão e rosas. Relembrar das sufragistas garantindo o direito ao voto; do papel das lideranças de mulheres negras na luta anti escravista como Dandara dos Palmares; do protagonismo das mulheres trans e mulheres lésbicas que tomaram de assalto as ruas de Paris na década de 60 contra a homofobia.
Mas também poderia falar de mesmo com esforços dos movimentos feministas da primeira, segunda ou até mesmo da terceira onda não foram suficientes para contemplar todas as mulheres do mundo. Não foi exitoso o suficente para impedir o assassinato de Mariele Franco, os índices alarmantes de feminicídio no Brasil, o Impeachment misógino de Dilma Rousseff, a ascenção do asqueroso facista que presidiu o Brasil de 2018 a 2022. Não foi o bastante para impedir o assassinato brutal da jovem Kurda Mahsa Amini no Irã. Ou para que até hoje mulheres continuem a receber menos que homens na mesma posição de trabalho e com a mesma ou melhor qualificação, e as mulheres negras menos ainda. Apesar de todo esse histórico de luta, recebemos notícias de violência sexual perpetuadas por soldados russos da guerra na Ucrânia, estupros corretivos de lésbicas na África Subsaariana e a mutilação das genitais femininas.
Não foram exitosas não por falta de garra, por redenção ou incompetência, mas pelo simples fato de que nossa luta é contra séculos e séculos de uma estrutura cirurgicamente orquestrada contra nossa existência enquanto seres livres. Pois nós mulheres, somos donas do mundo. Sei que pode parecer desestimulante olhar através desta perspectiva, todavia podemos enxergar a mesma situação como um copo meio cheio: entender que embora estejamos na melhor época que uma mulher - seja qual for sua singularidades - possa estar, não podemos baixar a guarda, pois há muito ainda por fazer. . Seja[d1] reivindicar neste 8 de março nas ruas, desmascarando o patriarcado; fazendo posts feministas, relembrando grandes heroínas do passado e presente; consumindo em todos os níveis de mulheres feministas e antissistema. Seja movimentando demandas em seus sindicatos e exigindo remunerações igualitárias. Também exigindo mais creches para filhas e filhos de mães trabalhadoras. Assim como políticas públicas para as mulheres terem independência econômica e acesso universal à educação e à saúde feminina em geral. Seja, por exemplo, denunciando hospitais por violência obstétrica e exigindo a promoção do parto humanizado.
Mas também podemos fazer revoluções no cotidiano ordinário de nossas e de outras mulheres. Demonstrando exemplos vividos de sororidade. Podemos ligar para aquela conhecida que acabou de ter um bebê e perguntar se ela está bem e se precisa de ajuda. O mesmo podemos fazer para aquela conhecida imigrante que não está inclusa na sociedade receptiva e que se isolou. Podemos nos dar um vale final de semana longe de qualquer responsabilidade doméstica e familiar e sair sozinha ou com nossas amigas e amigos, viajar, ou simplesmente não fazer nada. E quando digo nada, é nada mesmo! Nem mesmo instruções de como um pai deve cuidar de sua casa e de suas próprias crianças. Ele que dê um google!! Podemos perguntar para aquela jovem que está chorando no transporte ou na rua se está tudo bem com ela e se precisa de ajuda. Ou passar algumas tardes com o bebê daquela amiga que ainda não conseguiu uma creche e precisa terminar os estudos. Podemos deixar livros feministas espalhados na cidade para outras pessoas terem acesso. Podemos nos reunir em grupo de mulheres e criarmos uma rede de apoio de escuta ativa, pois às vezes só queremos desabafar. Podemos gritar e fazer um escândalo quando presenciamos um assédio sofrido por uma outra mulher ou consigo mesma. Ou dar uma orientação para aquela amiga que está num relacionamento tóxico e abusivo. Podemos ensinar às nossas filhas que elas podem ser barulhentas e assertivas. Podemos ensinar aos nossos filhos a policiar e combater atitudes misóginas em outros homens. Podemos sensibilizar e exigir de nossos parceiros para pararem de parasitar sobre a gente. Ou simplesmente terminar a relação.
Não importa a grandeza ou a frequência, as possibilidades são infinitas. E fica a ênfase do verbo: podemos. Digo que este caminho será árduo e por vezes pouco efetivo. Mas ainda sim faça. Faça o que no momento que estiver ao seu alcance, o que sua criatividade deseja, que suas condições materiais e emocionais te permitam. Mesmo assim,
faça. Pois como todas as nossas heroínas do passado os fizeram, tudo foi conquistado com ações concretas, com suor, com sangue, com lágrimas e muita perseverança. Talvez não usufruiremos destes esforços diretamente e agora, todavia minhas filhas irão, assim como as filhas das minhas amigas, as meninas de todo o mundo e todas que ainda estarão por existir. E isso vale todo o esforço. E sempre que parecer muito árduo, no qual desistir parece ser a única opção, olhe para o futuro e tenha confiança, olhem para essas mesmas meninas de hoje. Perceba toda a potência, força e vida que pulsam nelas. O brilho de liberdade no olhar delas é grandioso. E assim podemos dar continuidade a esse ciclo na história. Para que no futuro, o 8 de março delas tenha mais para relembrar e comemorar do que desafios que ainda terão de enfrentar. E assim podemos dar continuidade a esse ciclo da história. Para que no futuro, o 8 de março delas tenha muito mais para relembrar e comemorar do que desafios que ainda terão de lutar. Até porque, como diz o provérbio: “ Tentaram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes.”
¹ Embora este provérbio seja popularmente conhecido como de origem mexicana utilizado pelos Zapatistas e contra o desaparecimento de 43 estudantes em Iguala em 2013, há várias correntes indígena, latinoamericana e europeia que também encontram registros deste mesmo texto. A autoria mais provável possa ser do poeta grego Dinos Christianopoulos (1931-2020), que havia proferido esses versos à comunidade literária grega que criticava fortemente o seu trabalho e o segregou por ser homossexual.